Há dois anos, meu marido já era professor universitário e eu ainda era doutorando. Em um certo dia, perdemos uma consulta médica e eu fiquei muito chateado. Enquanto ele tentava me consolar, eu reclamei: “Assim não dá mais, 30 anos, professor universitário!” Bem, eu não era nenhuma dessas coisas e ficou parecendo que coloquei a culpa nele. O que eu queria dizer é que deveríamos ter um senso de responsabilidade maior e concordante com o que ele já havia conquistado. Apesar de tudo, rimos muito da situação e ressignificamos a frase. Ela virou um meme interno que sempre usamos para falar que algum comportamento é supostamente reprovável (muitas vezes de forma irônica, é claro).
Bom, agora que eu sou “30 anos, professor universitário” posso dizer: realmente a responsabilidade é grande. Assim, quero compartilhar um pouco sobre o que um professor universitário faz, ainda mais em tempos de quarentena que estamos sem dar aulas.
De forma geral, o professor universitário deve executar os três pilares da universidade: ensino, pesquisa e extensão. Além disso, o professor também deve realizar a gestão da universidade. Como estamos sem a parte do ensino, vou falar um pouco das outras linhas.
Normalmente, a pesquisa toma conta da vida do professor. Posso criticar aqui o fato de sermos avaliados principalmente por nossa produção científica, o que acaba desbalanceado a produção em outras áreas. De qualquer maneira, a pesquisa é realmente importante, não só localmente, mas mundialmente. Publicamos artigos científicos que são lidos e podem ser citados por pesquisadores do mundo todo. Essas citações são utilizadas para avaliar o impacto da pesquisa que fazemos. O Google possui uma plataforma que mostra as citações e os índices que são gerados para indicar o impacto da pesquisa de cada pesquisador. O meu perfil você pode ver clicando aqui.
Falei como divulgamos a pesquisa, mas não como a fazemos. Geralmente, quem realiza a maioria das implementações da pesquisa são os alunos. Esses alunos de iniciação científica, mestrado e doutorado participam dos projetos pensados e orientados pelos professores. Nós buscamos financiamento, pensamos nas etapas dos projetos, mostramos os caminhos que podem ser seguidos e discutimos os resultados encontrados. Para isso, precisamos ter acesso a equipamentos, laboratórios, computadores e bolsas para os alunos. Veja que aqui eu coloco o meu ponto de vista, mas outras áreas podem ter outras necessidades, como é o caso de hospitais universitários para cursos da área da saúde e atelies para cursos de artes.
Agora, vamos falar do terceiro pilar da universidade: a extensão. Ela envolve qualquer tipo de atividade que envolva a universidade e a comunidade. Portanto, eventos, cursos, competições, ações sociais liderados pela universidade e com a participação da comunidade são considerados atividades de extensão. Os meus projetos de extensão irão envolver principalmente a representatividade LGBT na Engenharia. Apesar de muito já ter mudado, as pessoas LGBT são comumente invisibilizadas nos cursos de engenharia. Quero dar o sentimento de pertencimento para os alunos do curso e permitir que pessoas de fora se sintam à vontade em entrar nele. Também quero incentivar as alunas do curso da engenharia mecânica a criar um projeto de afirmação feminina. Infelizmente, não existe nenhuma professora efetiva no curso que possa encabeçar o projeto, mas trabalharei para que elas tenham o protagonismo do projeto.
A extensão deve fazer parte do dia-a-dia de uma cidade que possui uma universidade pública. Se em sua cidade existe uma universidade, procure saber os programas e as atividades de extensão que ela oferece. Participe! Mas é claro, depois do isolamento social. Por enquanto fique em casa e veja se existe algum curso online. Dou um exemplo muito legal e simples. Você pode aprender italiano em casa com professores da USP! O curso é divido em duas partes, aqui e aqui.
Por fim, a gestão é a parte da papelada. Temos que nos adequar às regras da universidade e do Ministério da Educação, propor e executar alterações em disciplinas e no projeto pedagógico do curso, avaliar o andamento do curso e do departamento a cada ano, validar estágios realizados pelos alunos, credenciar projetos de pesquisa e extensão etc. Essas funções são feitas por cargos específicos que geram uma maior carga de trabalho e responsabilidades. Isso demanda, reuniões, discussões e muita burocracia. Apesar de parecer cansativo, essas regras servem para executarmos todos os três pilares de forma organizada e com qualidade.
Bom, essa é apenas uma parte da experiência que estou tendo como “30 anos, professor universitário” e da minha visão sobre a universidade. A universidade pública é de qualidade e deve ser para todos e todas. Defenda as universidades públicas!
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